terça-feira, 2 de junho de 2020

Nattag - Entrevista

A DSBM Brazil teve o prazer de conversar com o líder de uma das melhores banda de Depressive Black Metal da cena atual. Yakoushi é o fundador e foi por muito tempo o único membro da incrível Nattag.


Como surgiu a Nattag, é a sua primeira experiência em uma banda?

Yakoushi: A Nattag teve duas ocasiões de surgimento, por assim dizer. A primeira delas foi em 2018, em sessões de noise que eu fazia com um mini-teclado antigo e muito ruim da Casio que meu pai tem. Influenciado pelo primeiro álbum do Aphex Twin, tentei fazer uma faixa ambiente de 4 minutos, e essa foi a primeira encarnação da Nattag (que, no início, destinava-se a ser um projeto de dark ambient); depois disso, deixei o projeto engavetado durante um bom tempo, até que - se não me falha a memória - em maio ou junho de 2019 eu decidi ir no banheiro do apartamento em que morava na época e começar a berrar um poema meu e, em cima daquela gravação, fiz todos os outros instrumentos (com a bateria sendo um ritmo genérico do justo teclado).
E pior que não, o Nattag não foi meu primeiro projeto. Em meados de 2017 eu tinha um projeto propositalmente ruim de noisecore entitulado ''Trashland''. Lancei um bocado de coisas com ele, mas perdi a inspiração e aquele choque inicial das primeiras gravações - que apresentavam um humor baseado no absurdo - se esvaeceu, então dei um fim a ele.

Atualmente você é o único membro da Nattag, essa formação é proposital ou futuramente você pretende recrutar novo novos músicos?

Yakoushi: Em fato, no final de maio eu consegui um baixista para acompanhar-me nas minhas criações. Mas, sim, eu mantinha essa isolação por vontade própria pois trabalhar com os outros é, muitas vezes, ânus. Você vê, eu não gosto de criar apenas por criar - precisa ter um sentimento, precisa ser sincero. Tive algumas experiências com outras bandas em 2019, e não foram boas; eu não tinha envolvimento emocional com a música, tampouco com a(s) pessoa(s) por trás daquilo. Não funcionou a mim, apenas. Trabalhar com os outros apresenta muito contato, discussões, divergências, exigências, prazos e expectativas...


Ao ouvir qualquer álbum da Nattag podemos perceber diversas referências. Você pode falar um pouco sobre isso?

Yakoushi: Ah, é uma boa pergunta, haha. Eu não possuo influências fixas ou onipresentes, tudo depende do meu estado de mente naquele instante, no meu sentimento, na atmosfera que quero passar e no que estive me baseando e apreciando em dado tempo. Por exemplo, para a track ''Alma Consumida'' eu me baseei muito no Xasthur, pois havia experienciado algo que é descrito de forma coerente pelas obras do Scott Connor, então quis expressar isso com uma sonoridade e atmosfera semelhante. Agora, com a faixa ''Despedida'', me inspirei na banda The Angelic Process; quis passar uma atmosfera densa, barulhenta e maciça, pois é como me sentia naquele momento e a sonoridade dessa banda ressoava com a situação. É sempre assim. Posso citar, porém, grupos e artistas que têm uma influência mais constante sobre o que faço: The Cure, Lifelover, Katatonia, My Bloody Valentine, Funeral, Ras Algethi, et cetera. Possuo outras inspirações, mas direciono elas a um outro projeto.

Qual é a origem do nome da banda, você se inspirou em algo específico para criar esse nome?

Yakoushi: Ah, ''Nattag'' é uma palavra sueca que - até onde minha estupidez se estende - significa ''trem noturno''. O motivo para o sueco é que é uma língua que eu gosto, além de soar bem. O significado não é profundo ou coisa do tipo, apenas faz alusão àqueles momentos em que você está em movimento à noite, e qualquer imagem e/ou luz que chega à sua visão se embaça e treme, formando uma paisagem irregular e etérea. É uma sensação meio hipnótica, como se você estivesse em transe. A parte do ''trem'' é meramente porque se você está sozinho e dentro de um trem em movimento à noite, essa sensação vem a você com maior facilidade (eu suponho).


O álbum Confinement foi o último lançamento da Nattag, você está trabalhando em algo novo?

Yakoushi: Quem dera fosse um álbum - ''Confinement'' é apenas uma faixa mal-gravada... E eu pretendo lançar um novo EP, mas não posso estipular datas pois minha instabilidade faz eu não ter regularidade nenhuma no momento de produzir algo só meu. Tenho alguns rascunhos das guitarras prontos e as letras estão definidas já, mas não sei ao certo como soará. Quero trabalhar logo nisso - ainda mais agora que a Nattag possui baixista - mas estou preso sem um microfone funcional até o agora. Estou no processo de arrumar um outro microfone, e assim finalmente produzir algo para essa porcaria (depois de meses de atividade mínima).

Além da Nattag você participa de algum outro projeto atualmente?

Yakoushi: Tenho o Véspera do Anoitecer, que é meu projeto para ''restos''. Costuma variar entre shoegaze, post-punk e música eletrônica (não sei definir qual subgênero dela), e os primeiros lançamentos dele são uns dos meus piores, hahaha. Nesses tempos recentes, estive brincando com os VSTs do Mixcraft para produzir algo eletrônico reminiscente de bandas como The Cure, Ova Looven, Twice A Man e o primeiro álbum do John Foxx, apesar de que só lancei uma faixa muito bagunçada até o momento. Tenho uma track inacabada, mas não acho a motivação para terminá-la sem poder gravar guitarras e vocais com um microfone decente.
Além do Véspera, faço vocais e letras na Fentanil e tenho o mesmo cargo em um projeto chamado ''Suicide is Solution'', de um amigo meu. O último é algo bem ocasional, porém.


Como funciona o processo de gravação?

Yakoushi: Varia dependendo do meu equipamento. Nos primeiros álbuns, eu fazia tudo com o microfone do celular e usava o Audacity para mixar. Depois de certo ponto, comprei um microfone bostinha, e com ele gravei tudo desde o ''Afogado em Monotonia'', mas a última track que lancei, ''Confinement'', foi feita novamente com o áudio do meu celular, pois o microfone que tenho aqui não é mais reconhecido por ele, e quando comprei um adaptador de áudio para fazer o computador reconhecê-lo, o maldito para de funcionar por mau contato (talvez eu devesse me enforcar com o cabo dele). Infelizmente, até o ''Blood II'' eu usava a bateria horrível do Hydrogen, então você ainda acha umas faixas com ritmos duros e mecânicos nesse álbum. Por sorte eu criei um pouco mais de juízo e comecei a usar o Mixcraft e o EZDrummer a dado ponto. Como eu sou um analfabeto musical, praticamente todas as músicas do Nattag até hoje estão com os instrumentos fora de tempo.

Fazendo uma busca rápida pela internet, encontramos alguns álbuns que não estão listados no Bandcamp. Eles foram excluídos da discografia oficial?

Yakoushi: Bem, na época eu criei o Bandcamp justamente para lançar as músicas do ''novo período'' da Nattag, que seria tudo depois do ''Blood II'', então não vi muito motivo para ficar enchendo a página de lançamentos horríveis e ainda mais incompetentes que o normal. Eu os considero parte da história do projeto, sim, mas muito pouco do que fiz no passado representa o que a Nattag de fato é. Digo, até as letras dos álbuns passados são um lixo, pois eu estava tentando ser ''cru'' e ''direto'' enquanto o que realmente me serve é uma forma de escrita muito mais próxima do que o Álvares de Azevedo, Augusto dos Anjos, Alphonsus de Guimaraens e Edgar Allan Poe faziam (não que eu consiga chegar perto da qualidade deles, claro). Me arrependo profundamente de ter deixado algo como ''Aborte-me'' existir, mas por sorte hoje em dia eu não sou tão estúpido quanto eu era no início do projeto em relação a isso, então opto por escrever coisas como a ''Incômodo'', a ''Ghost II''. Em fato, fui checar agora e notei que uns 90% do catálogo da Nattag é composto por letras horrorosas pois eu tinha medo de usar meu material bom em algo com uma qualidade sonora baixa. Esse tipo de coisa me deixa com desprezo do projeto (e um pouco de dó e alívio, pois realmente, por sorte eu não usei meu material ''menos pior'' nesse monte de lixo).

Você pretende lançar o material da Nattag de forma fisica? Se sim, tem alguma label em mente?

Yakoushi: Essa pergunta me fez rir, pois é algo completamente impensável a mim. Primeiro que não considero o que faço bom o bastante para ser transformado em um item físico, além de que eu duvido muito que alguma label quisesse lançar minhas coisas, e isso envolveria prazos e exigências, coisa que me soa como um desprazer. Tem também o fato de que praticamente ninguém acompanha meu trabalho de verdade, e o público que é atingido é muito pequeno. Eu acho que seria interessante colocar algum álbum meu em um CD e dar para alguém, mas fica por isso mesmo.

O que você acha da cena de Depressive Black Metal nacional? Você acompanha algum projeto que acha promissor?

Yakoushi: Aqui, suponho que valha dizer que me coloco em totalidade como ouvinte dizendo o que sinto, separando-me de mim como criador (porque sempre tem o idiota que acha que emitir a própria opinião significa que eu considero o que penso um fato). Eu acho que tem bastante coisa interessante, tipo o Abismika, Ensimesmamento, Noctívago, Unguilty, Frio Insólito, Entardecer, Deadleaf e outros, mas também tem muita coisa feita sem paixão e de forma imatura e infantil demais - chega a ser cômico. Penso que letras como ''minha morte é um desejo / só quero morrer / me deixe ir embora daqui / porque estou sofrendo muito'' são vazias e redundantes demais para meu gosto. É o motivo pelo qual eu não gosto de muita coisa dentro do DSBM: a quantidade de coisa genérica e previsível é muito grande. Se um artista baseia toda a discografia dele na estrutura ''guitarra limpa dedilhada > fill curto de bateria > guitarra distorcida com timbre e vocal genérico (talvez com a guitarra limpa ainda de fundo) > fim da música (talvez voltando à guitarra limpa)'', eu não vejo ponto em ouvir as músicas, sendo que ele apresenta tudo o que tem em apenas uma. Não vejo problemas nessa estrutura, ou em algo ser genérico, ou repetitivo, ou previsível, mas tem que ter algo a mais; se for APENAS isso, a música acaba soando vazia demais.
Além disso, eu nem me considero como membro da cena black metal ou coisa do tipo, pois acho que fazer parte de um grupo assim propositalmente é meio sem sentido, além de que não escuto tanto DSBM pois boa parte dele simplesmente não me interessa ou ressoa com o que sinto, apesar do meu envolvimento com a cena. O rótulo de ''DSBM'' no Nattag serve puramente ao propósito de que eu não conheço nenhuma outra forma de categorizar o que faço.

Conclusões finais

Yakoushi: Agradeço MUITO à DSBM Brazil por ter divulgado várias vezes meu trabalho defeituoso, hahaha. Espero não ter soado presunçoso ou sério demais nas minhas respostas, porque isso seria o total oposto de quem eu verdadeiramente sou: uma garotinha frágil de 10 anos. Para fechar essa entrevista desnecessariamente longa por minha parte, aviso que ainda esse ano sai um EP novo da Nattag (juro, para a infelicidade de quem conhece o projeto), e peço para os leitores checarem a Fentanil - banda de um amigo meu na qual faço vocais e letras -, em especial o álbum Desmaterialização, que é (pelo menos para mim) nosso melhor lançamento até agora, além de que isso dará uma percepção melhor do meu processo de escrita e dos meus poeminhas amadores. E a você, curtidor e leitor da página, mando um abraço e beijinhos (onde você quiser)!


Links Relacionados ao Projeto Nattag

(Esta entrevista também se encotra disponível na página DSBM - Depressive Suicidal Black Metal Brazil)