sexta-feira, 3 de maio de 2024

Renato Nascimento (Ecos Póstumos) - Entrevista

Renato Nascimento é um dos talentosos músicos da cena nacional que vem expressando sua dor através da música desde o início da década de 2010. Se utilizando de suas próprias experiências, também agrega vivências de outros pacientes psiquiátricos, resultando em canções que servem de escape para o sofrimento mental, mas, também, geram alento naquelas pessoas que as escutam. Tivemos o prazer de poder conversar um pouco com ele, e aqui disponibilizamos esta entrevista.

1. É comum que o interesse pela música surja a partir de nosso círculo social, na fase da infância/pré-adolescência, em meio a família e amigos. Como a música entrou em sua vida?

Renato: Saudações! Primeiramente sou muito grato por poder falar um pouco sobre mim, e acho que o trabalho que vocês desenvolvem é muito importante para perpetuar um estilo que é tão estigmatizado. A música começou muito cedo na minha vida, minha mãe era professora de violão, e cresci ouvindo discos de artistas como Rolling Stones, Pink Floyd e Raul Seixas. Logo quando completei dez anos de idade, meu pai presenteou a mim e meus irmãos com instrumentos musicais, eu acabei ficando com a bateria e me tornando baterista/vocalista, pois meus irmãos na pré-adolescência tinham dificuldade de cantar e tocar. Mais tarde estudei música e canto de maneira séria.

2. A música é, sem sombra de dúvidas, uma forma de terapia. É possível dar vazão aos sentimentos e emoções, questões cotidianas, vivências e experiências das mais diversas. No caso do DSBM, tudo é muito íntimo e pessoal, ainda, ressalto que é algo muito genuíno, e, por vezes, até difícil de expressar com palavras. Como é o seu processo de criação, composição e produção das músicas?

Renato: Esse estilo é maravilhoso, eu só acho uma droga que não podemos falar mais abertamente e usar palavras, digamos, "escancaradas" nas redes sociais da maneira que podíamos antes (ex: m*rt*, su*****o), pois na grande maioria das vezes, esses termos são usados por indivíduos atormentados para dar vazão a uma carga emotiva, e creio que essa censura não ajuda em nada quem quer se m*tar, até porque na realidade quem tenta tirar a própria vida está desesperado, e muitas vezes as redes sociais é onde a pessoa pode desabafar – seja com postagens mais diretas, poemas ou letras. Bem, deixado claro isso e respondendo à pergunta; eu componho em meus picos depressivos – a vida para mim é insuportável, sou dependente de narcóticos (benzodiazepínicos) e tenho que enfiar uma tremenda máscara na cara para enfrentar esse tortuoso dia a dia, me arrastando e resistindo a toda a dor da depressão e do vazio que me atordoa todo o tempo – então quando não consigo mais suportar, ao invés de fazer atos extremos contra mim mesmo, penso nos que amo, e é aí que surgem as canções do Ecos Póstumos. Elas saem de uma maneira quase inexplicável, eu simplesmente expulso elas de mim. Primeiro busco a melodia mais crua, faço os riffs, componho linhas de bateria (geralmente as programo apenas por comodidade mesmo, eu sei tocar bateria, como disse antes, e até gostaria de usar o som do instrumento de verdade nos sons), por último encaixo os poemas ou letras que estão "na fila de espera". Em 98% das vezes uso poemas, alguns mais de superação, outros bem obscuros e "malditos", as vezes são apenas letras comuns mesmo como o caso do trabalho mais recente, o single "Não, Ainda Não", que vai sair no Split com o Waldseel (Alemanha). 

3. Sobre a parte da composição. Há uma empatia bastante notável em suas letras, visto que há escritos sob o ponto de vista de pacientes psiquiátricos em algumas delas. Também, há letras mais recentes com um otimismo, não aquele superficial e clichê, mas algo que traga um alento ao ouvinte. Conte-nos um pouco sobre isso.

Renato: Sim, como estava dizendo na pergunta anterior, as vezes eu tento trazer esse lado mais empático, até porque eu fiquei internato em hospitais psiquiátricos algumas vezes, já fiquei agressivo, tive surtos, vi minha família sofrer, fiz meus familiares sofrerem, então eu tento mostrar que podemos, mesmo com o abismo nos jogando seu maldito olhar de volta, ter uma vida "normal", pois todo mundo que sofre de depressão, ou de certas intempéries psicológicas/psiquiátricas, quer viver, sorrir, ser feliz (falo de maneira empírica, das pessoas que conheci, e digo "certas", pois no caso de um caso grave de esquizofrenia, a pessoa simplesmente "não está nesse mundo", como é o caso da minha tia). Quando meu tio se m*t*u no quintal de minha casa, eu e meu pai o resgatamos da forca tentando salvar ele, foi por alguns minutos de descuido que ele fez isso, nós sabíamos que ele estava sentindo um vazio muito grande, estávamos cuidando e com medo que o pior acontecesse, e aconteceu. Eu também senti, e é inexplicável esse VAZIO, e imensurável! Parece que estamos parados numa fotografia antiga. Mas bem, há diversos tipos de motivos para uma pessoa findar sua existência, difícil falar assim, generalizando. Resumindo, eu não creio que ninguém queira viver chafurdando nas sombras, a menos que isso seja fruto de uma intempérie mental. 

4. Os Transtornos Mentais, a saúde mental em geral, tem tido mais visibilidade hoje em dia, isso devido aos altos índices de suicídios no mundo todo. Falar disso através da arte é um conforto para muitas pessoas, tanto para quem se expressa, quanto para aqueles que escutam. Você sente que ainda há muita ignorância, por parte da sociedade, em compreender essas questões? E, em particular, você já sofreu alguma repreensão por expressar esses temas em sua música? 

Renato: Meus familiares entendem que é algo artístico, mas são pessoas mais esclarecidas. Nós que somos de classe baixa, moramos em bairro pobre, vemos a nossa volta muita alienação e preconceito, como quando alguém fala que "isso não é coisa de Deus" ou alguma coisa nesse sentido, o que enxergo mais como ignorância do que preconceito. Não adianta esperarmos que uma sociedade como a nossa vá entender o viés artístico do DSBM, e como essa música nos traz acalento. O sistema nos quer aptos para trabalhar e servir ao seu propósito estúpido e trivial, então empanturra a sociedade com coisas estúpidas, qual as pessoas se esbaldam sem se perguntar o porquê, e está "tudo ótimo". E estão de parabéns pois fazem isso muito bem, expurgando nós, a “escória”, que muitas vezes por estarmos no limite de nosso psicológico não conseguimos cumprir com a cartilha pífia da existência no capitalismo, "acordar, trabalhar, dormir" e aos finais de semana e durante a noite assistir a alguma série idiota ou fazer um churrasco e tomar cerveja, confraternizando com pessoas sistematizadas e medíocres. 

5. O DSBM ainda pode ser considerado um subgênero bem recente. Pouco mais de 20 anos desde seu surgimento. Com um nicho bem específico de músicos e ouvintes. Como você percebe a recepção do público do Metal para com o Ecos Póstumos?

Renato: Realmente eu pude acompanhar o surgimento deste estilo, como você disse, é algo recente, e o Brasil possui artistas fenomenais desse estilo. A recepção é péssima, não considero um estilo que se enquadre no Metal, apesar de ter os dois pés chafurdados no Black Metal, não é um estilo aceito pelos headbangers. Eu toco em várias bandas, e já me apresentei com o Ecos Póstumos, atraindo um público específico, foi uma experiência muito forte, tanto para mim e os que tocaram junto, quanto pra galera que acompanhou os shows, mas isso aí rolou pois o "Escombros" - o único trabalho realmente oficial, digo, que não é uma demo ou EP, e o único que foi feito com "tudo que tem direito", em estúdio, com produção refinada, equipamentos profissionais e etc. - era "bonitinho", não era uma escara, uma cicatriz raivosa e maldita como o "Janela Para a Loucura", o que acabou atraindo mais público (o CD vendeu muito bem, o merchandising em geral). Mas foi de propósito que não apresentei nenhuma dessas composições, até porque esse disco não foi feito para ser tocado ao vivo, e nunca será, então meio que a galera achou que quando anunciei apresentações, eu iria tocar algo desse trabalho. Enfim, sei que o pessoal curtiu bastante de qualquer forma.

6. É comum que muitos músicos tenham um ponto de partida para começar a fazer música autoral, deixando de interpretar e tocar covers de artistas que apreciam. O seu lado compositor surgiu de forma solitária ou a partir da junção com outras pessoas em outras bandas autorais, e na troca de ideias com elas?

Renato: Eu sempre achei que ficar tocando covers é coisa de músico tapado, sem criatividade, ou de pessoas que fazem isso para se divertir e ganhar dinheiro, ou que são profissionais. Mas é complicado, pois na primeira banda "pra valer" que tivemos, que foi o Vlad Dracullare (que contava com o Daeroth do Warforged nas guitarras e voz), tocávamos covers apenas para complementar o repertório (ter tempo de repertório), tínhamos cinco músicas próprias (na linha do Emperor, mas com influências de Death – a banda, Enthroned, Behemoth e Dimmu Borgir, antigo), e tocávamos covers dessas bandas citadas em parênteses. Já tive banda tributo ao Iron Maiden, na qual toquei guitarra, posteriormente bateria e voltei para a guitarra, mas foi uma época a qual eu estava com muita depressão, então nem sei por que diabos fui tocar com banda cover/tributo ou que seja. Mas quando falo dos músicos "tapados" digo dessas bandas horríveis, de caras "das antigas" que ficam tocando esses clássicos pastiche do Rock, ou do Metal, e ainda acham que estão "detonando", quando na verdade só estão dando o que os porcos gostam, pois para mim, galera que frequenta shows de bandas que ficam tocando esses covers não tem intelecto o suficiente para absorver algo novo. Mas bem, existem exceções, como a banda Purgatory Inc. de Londrina/PR, que toca covers incríveis e que você normalmente não vê ninguém tocando (e mesmo eles já estão partindo para o autoral). Então resumindo, pessoalmente, criar sempre foi a primeira opção, ter uma banda, criar um nome, fazer músicas. Espero que quem toca covers não se irrite, é apenas uma opinião, não tenho a intenção de ofender ninguém especificamente. 

7. Sobre suas outras bandas. Fale-nos sobre elas e quais caminhos sonoros percorrem.

Renato: Meu trabalho profissional é voltado a banda Ansiah, de Crossover. Toco esse estilo pois encontrei uma baita liberdade para compor trabalhando nessa linha de som. Eu uso o Hardcore como base e posso adicionar elementos de Punk, Thrash, Death, Doom e até Black Metal no som, e ainda passar a ideologia de inconformismo social e ideias antifascistas. O Christophobia (que segue meio "capenga" até hoje) surgiu das cinzas do Nephilim Horde. Quando o Vlad Dracullare acabou, eu e meu irmão, o Diogo Nascimento (baixo, voz), pegou a guitarra e demos continuidade a nossa primeira banda, que foi junto com minha irmã, a Fernanda Nascimento (que tocava guitarra) – ela seguiu só curtindo o som, e eu e o Diogo, que passou para a guitarra, chamamos um amigo para o baixo. A banda ensaiava cinco vezes por semana, eu era o vocalista principal e baterista. Uma pena o disco (Failure o nome) ser tão tosco e mal produzido, a banda era excelente. Eu tive um projeto que lançou uma demo de três sons, que algumas pessoas ainda se lembram, o Forgotten Heaven (que era na linha já DSBM), mas o Nephilim era mais sério, para a sonoridade bebíamos de fontes como Darkthrone, Maniac Butcher, Mayhem e Burzum (a gente não sabia muito sobre o tal do Varg, e na época nem tínhamos acesso à internet, sabíamos que o cara tinha mat*do o colega de banda e queimava igrejas), e só queríamos tocar um Black Metal cru e bem tocado, sem logotipo, nem nada, só "descer o braço" mesmo. Mais tarde fui dar aulas de música, e trabalhar em um estúdio (que fazia gravações simples e também alugávamos para ensaios) fiquei internado, passei por intempéries mentais, e fui melhorando – foi em 2012 que resolvi começar com o Ecos Póstumos inclusive, no meio do caos dos meus transtornos. Depois montei o Escasso (já em 2020), após o disco "Árias Malditas" do Christophobia "flopar" (inclusive nesse disco há uma canção que seria usada para o Ecos Póstumos, "A Serpente e o Abismo"), e lancei um EP chamado "Ballads to the Fallen", influenciado por Motörhead, Tank, Celtic Frost, Venom e Darkthrone. Esse trabalho está ao dispor nas plataformas de streaming, e, o segundo EP, um pouco mais técnico, logo vai ser lançado pela gravadora Rotthenness de Bauru/SP. Há influências aqui e acolá de Slayer e King Diamond também. Enfim, devo ter mais uns duzentos projetos, mas nada que interesse ao público que ouve Black Metal e suas vertentes. 

8. A cena nacional vem ganhando um número significante de bandas e projetos, no intuito das pessoas poderem expressar suas mais dolorosas emoções. Você tem alguma dica, alguma mensagem, para deixar a essas pessoas que estão iniciando na cena?

Renato: Vejo muitas bandas maravilhosas, o que eu gostaria de dizer é: se expressem, façam terapia, fiquem vivos! A morte nos é certa, que vocês encontrem alguma luz e sejam felizes. Resistam! A arte, a música, o DSBM pode ajudar certas feridas a cicatrizarem.

9. Nesse tipo de música não é comum apresentações ao vivo, mas o Ecos Póstumos já o fez. Como foi a experiência, e há possibilidade de ocorrer novamente para além da região em que você reside?

Renato: Bem, como eu disse um pouco acima, eu não tenho interesse em tocar aqui; eu sou "cancelado". Eu tive surtos, e vários IDIOTAS que diziam ler minhas letras falando sobre surtos psicóticos violentos, deviam pensar que era brincadeirinha. Claro que o tempo mostrou que não sou violento, nem agressor de mulheres, nem que sou violento com familiares, mas para essas "panelinhas" que giram por aqui na região de "Black Metal", eu quero é distância, rsrs. Se apresentar foi muito bom sim, mas acho que não tenho muita paciência. Eu sou uma pessoa que tem um pensamento político voltado para a esquerda, me considero antifascista, apoio movimentos feministas, a luta de classes, mas vejo que muitas das pessoas que "pensam como eu" aqui estão mais preocupados em arranjar confusão, e ficar de picuinhas no cenário do que terem coragem para resolver qualquer conflito pessoalmente. Resumindo: há muita gente boa, mas o número de bobões acomunados em panelinhas se sobressai DE LONGE, então eu quero ficar bem longe dos "blackbangers" aqui da região. Legal o trabalho deles, mas que fiquem BEM longe de mim, e que vivamos em paz.  

10. Você tem lançado singles recentemente. O mais recente, intitulado 'Não, Ainda Não', faz parte de um SPLIT com a banda alemã Waldseel. O que você pode nos falar sobre este lançamento e sobre os planos futuros para sua banda?

Renato: Faz tempo que quero lançar algo com o Dyret Waldseel, criador do Waldseel, somos bem amigos, nos conhecemos quando ele lançou a primeira demo do Nephilim, "Black Metal Blood" (2010) na Europa. Essa música, juntamente com as outras três que entrarão no Split eram pra ter saído na demo "S", mas foi na época que me "cancelaram", pois tive um surto e falaram que eu b*tia em mulher, a minha namorada na época tentou me segurar, e uma garota bêbada lá no fundo gritou que eu estava "agredindo ela", obviamente que isso não ocorreu, mas ninguém quis saber. Essa moça me ajudou muito nos transtornos mentais que tive, devo muito a ela! Ela também enfrentou transtornos, e inclusive tentou me m*tar algumas vezes; nos separamos, mas infelizmente ela ainda não procurou terapia, e ficou insustentável a violência dela, pois eu apanhei muito dela. E olha a ironia aí, o "agressor" sou eu. Uma pessoa com transtornos mentais fica violenta, eu vi muito isso nos hospitais psiquiátricos que fiquei, será que essa galera aqui da região tem estrume na cabeça? Claro que não vou expor mais detalhes, mas eu aguentei a violência pois não é algo dela, ela perde o controle, é uma pessoa sofrida. Sobre o futuro para a banda, o projeto é lançar um disco "bonitinho" como o Escombros e seguir a diante fazendo música "quando der na telha", hehe.

11. Considerações finais.

Renato: Tenho que agradecer demais a todos da página DSBM Images e das demais páginas moderadas por vocês, e só digo uma coisa: FIQUEM VIVOS, a morte é certa e chega logo, então tentem viver bons momentos. Muito obrigado a quem chegou até aqui. Talvez meu trabalho não seja tão interessante, mas sou muito grato a todos que curtem o Ecos Póstumos. Um abração! E eu queria agradecer demais ao meu amigo Yuri Padial, que vai cuidar da parte da arte da banda e sempre me apoiou incondicionalmente. Procurem o trabalho da Infernal Arts, o Yuri faz capaz perfeitas para o estilo, logos, e tudo a um preço incrível! Ele é um cara ímpar!

(Entrevista realizada pela página DSBM - Depressive Suicidal Black Metal Brazil.)

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